
Sobre o Relatório Setorial
Como um dos trabalhos de conclusão de curso da pós graduação em Gestão de Tendências, o Relatório Urbano tinha como objetivo entender sobre o contexto cultural e as dinâmicas sociais de uma das zonas de Lisboa, a região que circunda a Avenida Almirante Reis. Como resultado, o relatório deveria apresentar as mentalidades emergentes detectadas, possíveis tendências socioculturais e o direcionamento de insights acionáveis sobre o local.
O que foi feito
Análise Contextual
Coolhunting
Visita técnica
Entrevistas
Introdução
A região da Avenida Almirante Reis é o espelho da própria Lisboa em si, um local que aprendeu com o tempo a assimilar a grande velocidade de informações e culturas tornando-se um espaço que fervilha arte, diversidade e tradição.
É de extrema relevância entender o conceito de “lugar” como algo denso e que constrói relações identitárias e espaços de representação cujos significados são compartilhados pelos indivíduos que neles habitam e interagem, através do tempo. Tendo essa questão em mente podemos entender de forma mais clara as diferentes dinâmicas de Lisboa. Desde a sua formação até o presente momento, essa pluralidade foi acentuada pelas contínuas mudanças causadas pelos contatos sociais estabelecidos com outras culturas ao longo de sua história.
Análise contextual
A avenida Almirante reis, que mudou de nome três vezes em sua história, tem em seu ADN a capacidade de integração de várias tribos. O seu surgimento associa-se à necessidade de conexão do Centro de Lisboa com a área rural para excelência do abastecimento de produtos hortícolas. Teve a linha do elétrico inaugurada em 1901, e foi posteriormente suprimida em 1991. Seu patamar de acessibilidade foi ainda mais elevado com a instalação das seis estações de metrô na avenida. Até os anos de 1970 o comércio local estava restrito a lojas de mobiliário e eletrodomésticos, mas pelo perfil residencial do entorno da avenida, o comércio foi se reorganizando e cedeu espaço para serviços mais diretos, como vestuário, alimentação e outras atividades pessoais, como cabeleireiros e financeiros.
Descrição geográfica
Essa multicultural região fica localizada nas freguesias de Arroios, Santa Maria Maior e Areeiro. Sua extensão percorre desde a Rua da Palma até a Praça Francisco Sá Carneiro. São nessas regiões que observamos um crescente número de comércios e residências que aos poucos alteram a dinâmica desse espaço urbano e contribuem para a gentrificação da região. Essa importante avenida representa uma das artérias de Lisboa, ligando a cidade da segunda metade do século XX até a Baixa. Importa notar que existe uma segregação socioespacial que ocorre em paralelo à concentração de populações imigrantes em determinadas zonas que reforça opiniões negativas e sentimentos xenófobos. As atividade desenvolvidas pelos moradores dessa região estão estritamente ligadas a questões de classe social, gênero e grupo étnico de forma que isso gera um claro limite espacial de diferentes identidades e nacionalidades. As noções de periferia e centralidade surgem, por motivos históricos e se deslocam conforme as transformações ocorrem.
Aspectos econômicos
A região da Avenida Almirante Reis cresceu a partir da construção de uma via de abastecimento dos mercados da cidade. A avenida promovia uma ligação entre a zona rural de Lisboa e a parte urbana. A zona da Mouraria/ Intendente é tradicionalmente considerada menos nobre, os “fundos” da cidade, onde boa parte do desenvolvimento se deu a partir do investimento privado e como resultado de diversas construções e reconstruções — em oposição às zonas da Alameda até ao Areeiro, parte mais rica e onde foram destinados maiores investimentos públicos no desenvolvimento.
Nos últimos anos, toda a zona da avenida Almirante Reis e, principalmente as zonas do Martim Moniz e Intendente, vem passando por uma requalificação dos espaços, que tem dado origem a novas dinâmicas sociais. Trabalhos de remodelação em uma série de prédios residenciais na avenida, associados ao crescimento do turismo na cidade, têm provocado uma valorização da região que se reflete no custo de vida. O efeito disso é, em muitos casos, a expulsão de moradores tradicionais da zona para dar lugar a turistas e outro perfil de moradores.
Etnicidade e multiculturalidade
Segundo o relatório das Nações Unidas sobre migrações internacionais, nunca como hoje houve tantas pessoas a residir fora dos seus países de origem. É nesse sentido que se constroem espaços e práticas que são representadas pelos mais distintos costumes, vestuários, paladares e línguas. Tudo isso reverbera na paisagem urbana e nas atividades econômicas e culturais. Os principais grupos sociais presentes em toda a extensão da avenida são: Turcos, Brasileiros, Chineses, Vietnameses, Nepaleses e Indianos.
Até a década de 1990, o contexto comercial era muito diferente. A maioria das lojas eram de reparação de máquinas de costura, casas de penhores tradicionais e comércios de mobiliários antiquados que hoje deram espaço para supermercados, papelarias, restaurantes e cafés que recuperaram a dinâmica e a atratividade da área. No aspecto gastronômico existe uma adaptação, principalmente dos países orientais, ao gosto ocidental que fomenta o aparecimento de outros estilos de culinárias no ramo da restauração. Observa-se também que há uma preocupação em recriar espaços e narrativas que proporcionem o contato com as ambiências dos diversos locais de origem dessas populações.

Notam-se, do início ao fim da Almirante Reis, blocos de etnias delimitados por restaurantes e lojas de artigos variados. Ao mesmo tempo que percebe-se o convívio de nações diversas, nítido pelo transitar de diferentes vestimentas e conversas paralelas em línguas variadas, sente-se a divisão geográfica estruturada pelos restaurantes e o cheiro que deles vem.
Fica marcante a relação do antigo comércio típico da avenida com a nova mistura de povos. Vê-se prédios antigos sendo reformados com um ar mais moderno e a revitalização de fachadas antigas que priorizam a manutenção da história. A oportunidade de espaços salta aos olhos ao andar de norte a sul da avenida e não tem como negar que há uma expectativa de crescimento pulsante da região.
Projetos e marcas
Anjos 70
Este é o projecto do NCR – Núcleo Criativo do Regueirão, uma Associação sem fins lucrativos que nasceu naturalmente entre pessoas que antes desenvolviam actividades no mesmo local – o Mercado mensal e as Oficinas criativas. A necessidade de manter o mesmo espaço abriu portas a novos objectivos, tornando-se imperativo criar um ambiente lúdico e confortável à criação artística. Com a sua sede no Anjos70, o NCR propõe uma oferta cultural diversificada e transversal através de uma série de atividades. Algumas delas são: mercados, matinês, ciclos de cinema, exposições, concertos, palestras, ensaios de teatro, aulas de dança e escola de yoga.
Mercado de arroios
Localizado na Rua Engenheiro da Silva, foi reformado e reinaugurado em 13 de setembro de 2014 através de uma parceria liderada pela Junta de Freguesia de Arroios com a colaboração da Associação dos Comerciantes nos Mercados de Lisboa. Conta agora com um espaço infantil e a regulamente bancas de vestuário vintage, artesanato e livros, além claro dos tradicionais vendedores de verduras, frutas e peixes.
Feira do intendente
Realiza-se dentro do Largo do Intendente Pina Manique e, como de costume, decorre no segundo domingo de cada mês. É possível encontrar peças vintage/2o mão, comida, artes e produtos veganos.
Mezze
É um restaurante Sírio que tem como propósito ajudar refugiados do Oriente Médio a se estruturar financeiramente e socialmente na cidade de Lisboa através da culinária. O projecto, criado em Setembro do ano passado, tem ajuda da Pão a Pão – Associação para a Integração de Refugiados do Médio Oriente, responsável por uma série de eventos e workshops, não apenas ligados à gastronomia.
Mannipasta
É um projeto criativo de culinária que nasceu em Lisboa a partir da idéia de Elisa Sartor e Valentina Toscano. Tem como objetivo trazer receitas antigas da avó para espaços em constante mudança como a Almirante Reis. Lançaram em outubro de 2015 o primeiro spin-off de produtos (sacolas, camisetas, mochilas) com o seguinte conceito: “Diga-me o que você come e eu vou te dizer quem você é”.
Fablab
É um Laboratório de fabricação digital e prototipagem com o objectivo de apoiar a criatividade e o desenvolvimento de novos projectos colaborativos através de acesso a equipamentos e conhecimento.”Fab Lab” é o termo abreviado de “Fabrication laboratory”, criado pelo professor Neil Gershenfeld, diretor do Center for Bits and Atoms do Massachussets Institute of Technology.
Insights
A região que se inicia desde o Parque da Fonte Luminosa até o Largo do Intendente, limites marcantes para a Avenida, tem recebido incentivos da Câmara Municipal que movimentam os bairros envolvidos. O incentivo aos mercados municipais é um desses movimentos. O mercado de Arroios, por exemplo, tem como uma das principais referências o restaurante Mezzi, conhecido por sua culinária do Médio Oriente, e responsável por integrar refugiados sírios. O mercado do Forno de Tijolo, gerido pela junta da Freguesia de Arroios, sedia o FabLab, estrategicamente instalado no local para atrair criativos e gerar um valor simbólico de inovação para o bairro, como disse Rafael Calado, arquiteto responsável do projeto.
A revitalização do Largo do Intendente, com a chegada do gabinete do presidente da Câmara, também trouxe uma conotação de organização e tentativa de atrair diferentes investimentos para região. Mesmo assim, contrasta-se com as ruelas adjacentes que ainda trazem “o mundo que ficou” após o moderno trazido pela reforma do largo. A cooperativa cultural Largo Residências foi um dos projetos que criou raízes em um prédio abandonado e que representa a vontade de desenvolver a vivência e ocupação desta zona da cidade, através de pesquisa, criação e maturação do trabalho dos artistas que ali se instalam.
Entrevistas em profundidade
Todos os entrevistados comentaram sobre a grande presença de turistas, identificando este ponto como fator positivo para o desenvolvimento e prosperidade do comércio. No entanto, uma entrevistada preocupa-se com a “vida” do bairro trazida apenas com a participação ativa dos moradores. Diz que pelo bairro ter muitos hotéis e alojamentos locais, as pessoas costumam sair para fazer suas atividades e voltar apenas à noite. Os entrevistados da região do Intendente já apontam o dinamismo cultural presente na região desde 8 anos até atualidade e que traz um sentido jovial ao bairro. Mesmo assim, apontam a presença de pessoas mais velhas que estão presentes desde o início dos bairros e que trazem simpatia no relacionamento diário. Apontam ainda que para estas pessoas faltam atividades e eventos específicos.

Foram realizados 4 entrevistas com comerciantes da região para entender as transformações do bairro sob a perspectiva de quem vive por lá.
Moodboard
Observa-se hoje em dia um crescimento das cidades que pode ser muitas vezes desigual e excludente. A arte surge aqui como uma manifestação social que assume novas ligações entre a vida cotidiana e política. Na Avenida Almirante Reis a arte urbana significa um movimento de resistência e mais do que isso representa o sentimento de pertencimento (muitas vezes questionado) dos grupos que ali habitam. Quebrar a lógica de consumo proliferada cada vez mais pelo aparecimento de novos comércios e serviços é um desafio para esses novos artistas que repensam o espaço simbólico urbano. Este movimento representa um momento importante onde as representações das artes saem dos lugares estáticos (museus) e se movem para espaços abertos (ruas) agregando e impactando um número maior de pessoas. Em suma, existe uma importância democrática e identitária nessas expressões estéticas que fazem parte de um determinado período histórico e que traduzem mentalidades e relações humanas que estão interligadas a mecanismos de visibilidade e luta social.

Sinais Cool
A Avenida Almirante Reis tem re-significado sua imagem diante do contexto de Lisboa. Apesar de sua expressão ainda estar muito presente nos estabelecimentos comerciais, em sua maioria associados à alimentação e hotelaria, a região tem vivido uma movimentação cultural através de seus principais atores sociais: os moradores. Ninguém mais do que as pessoas que vivem nos bairros que circundam a região podem mostrar a mistura de culturas como algo próspero. Eventos como o Next Stop trazem visibilidade para a região e se tornam um dos exemplos de que é possível utilizar o próprio meio urbano como instrumento para integrar culturas, divulgar o bairro e educar. Um outro exemplo, é a transformação de algo desinteressante, como uma parede ou um poste de rua, em manifestação, através de um cartaz que faz o bairro se questionar sobre uma temática tão presente como a desigualdade de gêneros. Existe um esforço grande de projetos públicos e atividades privadas com o intuito de transmitir a multiculturalidade da região e unir todas as misturas sentidas, tanto para os locais como para quem está de passagem, sendo assim possível experienciar a diversidade da Almirante Reis e os arredores.

Conclusões
A multiculturalidade das cidades atuais, tem sido um tema amplamente discutido quer nas ciências sociais, nos meios de comunicação ou nos debates políticos. Após aprofundamento desses conceitos fica claro através toda pesquisa e vivência, que a região da Avenida Almirante Reis é um local extremamente receptivo e que vem crescendo exponencialmente. Isso reflete-se em oportunidades para inúmeros comércios e pessoas que procuram em Lisboa novas oportunidades. A construção de uma imagem e paisagem urbana plural nos transporta para quase todos os cantos do mundo e ao mesmo tempo nos traz a sensação de que podemos encontrar um local seguro e acolhedor que nos represente enquanto imigrantes e mais que isso cidadãos. Sabe-se que há uma potencialidade de crescimento econômico que é positiva para países como Portugal com a vinda desses povos e cada vez mais são perceptíveis os resultados socioculturais da junção desses grupos.
Aprendizados: observação participativa, deambulação surrealista, visita técnica
Time: Gabriela Camargo, Isabela Viana, Raquel Sodré, Marina Ferriani, Ida Sanches, Luana Bistane.